terça-feira, dezembro 09, 2003

----- Original Message -----
From: Lilian Wing
To: writer2
Sent: Sunday, December 07, 2003 11:36 PM
Subject: Bolsinha e sapatos

Crônica da alma boa ou as almas boas são crônicas.

Sobreviver é fácil. Viver sim é que complica. É mais fundo, mais caro, maior, mais rico e mais difícil.

A estante:

Tem mais portas que prateleiras. Sendo assim, só se as tem acima da altura do nariz, o primeiro andar, e palmo acima da cabeça, o segundo. No vertical são três territórios, sendo o primeiro andar prateleiral do território do meio provido de um par de incômodas portinhas, que acabaram por profanar o que deveria ser refúgio de livros e produzir moradia para as tigelas de louça ganhas naquelas brincadeiras de amigo-oculto. Aquelas, sabe?

Visualize-se então um quinteto de pequenas prateleiras.

Na central os livros-chefe. Capas duras, imponentes, vinho e prata, azul e ouro, marrom e prata, verde e ouro. Bíblia, clássicos, um hinário de partituras, a "vida de Jesus" ilustrada de fábrica, e mais ilustrada ainda pelo bebê, quando meus descuidos com os lápis e canetas eram mais freqüentes porque eu não tinha uma gaveta de lápis e canetas, porque eu ainda não tinha a estante dos meus sonhos, porque ela ainda era só sonho. E o livro de nervo vago exposto à página 231.

Anexo 1: Bolsinha e sapatos prata em vestido vinho, acho elegante.

Anexo 2: Já crescido, o bebê me perguntou o motivo de a gente ter soluços, aí eu expliquei o nervo vago. Não me lembrei da figura no livro.

O porta-retrato é na prateleira da direita, segundo andar, à frente dos livros. Logo abaixo a vizinha é a garrafinha com um barco dentro que não sei de onde veio. Acho que é sempre assim com as garrafas com barco dentro, o que é estranho porque me parece que as garrafas, ao contrário dos barcos, não naufragam.

À esquerda, segundo andar, um arranjo feinho de flores desidratadas, lembrança do dia das mães na escola. Porque é que todo mundo pensa que mãe gosta de arranjo de flores?

Logo abaixo, as pílulas anti-neuras. Têm que ficar no baixo porque algumas neuras diminuem a pessoa. Geralmente basta olhar, mas numa emergência pode-se comê-las porque são de açúcar. Logo abaixo, a porta onde mora o caderno vermelho. Logo abaixo, a gaveta dos lápis. Encadeamento sólido de idéias.

Professores inexistem em novembro. Reexistem vagamente nos primeiros raios de dezembro, só se tornam palpáveis depois do natal. Acabo de incluir o caderno vermelho (e este blog) na minha lista de decisões de ano-novo. ;-)

Beijo!