sábado, abril 28, 2001

Perdi de vista as palavras, e as temi. Já sabia que sou e tenho apenas palavras e me entrego se as entrego. Então olhei para dentro do eu-palavras que sempre fui, e tive medo de que, batendo em terra seca com tamanha força, o morrer que é se dar em palavras fosse tão raso ao solo em que se lançasse, que eu me tornasse nada, ainda mais do que antes.
Alma se escondeu, ou ao menos tentou...
Só que havia olho e ouvido de roubar palavras. Um roubar tão doce que levou Alma junto, eu-palavras em morte pequena e doce, de semente em solo fértil, úmido. Calor. Temi ainda. Neguei muito, quase tudo. Escaparam uns poucos sonhos velhos, alguns ais, eu-palavras secas e frágeis. Eu-palavras de vida latente oculta, medo e não.
Havia olho e ouvido, mãos, pele, "eu quero", "eu não sei", "eu preciso". Brotou à força Alma. A força-Alma que nem se sabia viva. Viver não é afinal o mesmo que sentir frio.

segunda-feira, abril 02, 2001

Diz que viver não é crime. Mas a vida toda procuramos cúmplices.
Cúmplices são estranhos múltiplos multiformes difíceis de encontrar. Encontrados, capturam-se facilmente. Porque capturam quando/enquanto são capturados. Podem estar em qualquer lugar, ingógnitos ignorados, anônimos. Estranhamente o reconhecível do cúmplice não se vê, ouve ou percebe nele. Valem em quem o encontra os sintomes de cumplicidade, grandes e claros.
Vale olhar fácil nos olhos em mão dupla.
Vale atrair-se tolo e infantil por banalidades, algumas esquecidas. Vontades estranhas de banho de chuva, estórias da infância, fruta madura, cheiro de mato, bobagens afins.
Vale esquecer de súbito toda máscara. Um ser-eu-mesmo violento e inexplicável que assusta/alivia. Momento de verdade quase feia, morna e confortável.
Vale perder exatidões, especialmente de tempo e espaço. O tempo pára e voa no mesmo instante, a distância é milímetros, braços, abismos e milhas, no mesmo lugar. Exatidões renitentes imperdidas perdem a importância e são nada agora, já que tudo é agora.
Vale o maior sintoma, e acompanha os outros todos. Um receio incômodo pontiagudo de se estar adormecido em vez de em vigília, e em vez de vida ser sonho, tudo, algum tipo de brincadeira, filme, febre ou jogo, onde vale tudo, menos acordar.