sábado, outubro 29, 2005

A idéia de que sua vida pode não durar muito é um vendaval... não é como se imagina, o medo primeiro. Medo do desconhecido... Não, primeiro é uma passada a limpo de tudo o que você é e fez. Tudo o que adiou tanto que agora não vai mais dar tempo. Tudo o que prometeu e precisa ao menos tentar cumprir. Toda a diferença que fez e faz, todas as pessoas que tocou. Pessoas são tudo, e a gente vive por elas.
O medo vem depois, e não do desconhecido. Do desconhecido é curiosidade, quase. O medo é - cúmulo do egocentrismo, mas as circunstâncias permitem - do seu mundo sem você. Tanto o que preparar, tanta coisa a dizer a tanta gente, tanto o que fazer.... e some da vista tudo o que é menor que isso. O barulho da chuva, o sabor da água fresca num dia muito quente, o sorriso de alguém desconhecido, a música, o cheiro do mato de manhã cedo, a dança das nuvens antes da tempestade e o desenho do raio no céu, o abraço que é sempre adiado, a oração que é sempre adiada. As coisas saltam umas sobre as outras na memória, uma espécie de treinamento de emergência. O turbilhão toma conta, e a apatia e a depressão são os locais mais seguros.
Depois, pra alguns como eu, vem a notícia de que não é bem assim. Foi engano, alarme falso, você tem mais tempo por aqui do que imaginava. O turbilhão passa, e tudo está diferente... suas prioridades se invertem, e abraçar o filho, andar de montanha-russa e tomar sol ou chuva na cara com os olhinhos apertados passam a ser as coisas mais urgentes da lista. A vida, a vida, a vida está acontecendo bem agora, e não há tempo contra o qual correr, mas tempo que tem bem no meio um 'agora' que é todo seu. Tempo a ser sorvido com vontade, feito água fresca num dia muito quente...
Voltei do médico ouvindo Bach - e sua paixão pelas coisas que ele mesmo não conseguia entender - e olhando o mar, que hoje estava estressado em ondas enormes... o céu estava cinza, mas nossa, acho q nunca vi tarde mais bonita... definitivamente, a melhor coisa da vida é estar vivo!