quarta-feira, outubro 16, 2002

Eu não devia ter escrito isso.
Daqui a pouco eu deito, e choro. Agora não, é cedo ainda. Daqui a pouco a luz da rua, amarela e indiferente, entra em casa, quarto e olhos semicerrados - Não estarão fechados porque dentro de mim é tão abafado, um sufoco - então eu posso chorar.
A luz semientrando nos olhos daqui a pouco forma uns desenhos dourados nos cílios. Lembra que eu criança dizia que eram árvores? De ouro as árvores, as mais perfeitas árvores de natal. Aí chega a lágrima e a luz se desmancha em cores, um arco-íris só meu. Ninguém mais vai saber. Ninguém mais vai saber.
Nem da dor. Nem do fracasso. Nem do pesadelo. Nem da morte. Nem da vida. Nem da miséria. Nem do acaso. Nem da sorte. Nem do desejo. Nem do não.
Desistir é o pior de todos os pecados.
Daqui a pouco eu deito e o mundo fica tão grande, tão imenso que pesa, sufoca e não posso respirar. Levanto e choro. A música longe parece demasiadamente alegre, e me fere. Quando isso tudo passar - e passa sempre - vai parecer tão bobo. Aí eu acostumo. Aí é como se fosse assim mesmo. É, a vida é assim mesmo. Ainda bem que eu tenho as árvores de ouro.

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