domingo, setembro 08, 2002

Do rádio vinha o som da voz da cantora: "Deixa eu tocar sua alma, deixa eu ver sua alma..." e ele imaginava - doce presunção dos ouvintes e leitores apaixonados - se alguém mais além dele mesmo entendia aquilo. Já sabia que o que vale nas pessoas é a alma, mas é também a parte mais difícil de tocar. Ver é pra olhos treinados, mas tocar é pra mãos de sorte.
No aquário ao lado do rádio os peixinhos pareciam indiferentes à musica, às almas (peixe tem alma?) e a todas as suas reflexões. É isso - pensou - as almas são como peixes. Exibidos e fugidios. Sempre se mostram por querer, mas quase nunca se deixam tocar. Talvez tocar, mas não reter. Talvez reter, mas por encanto, nunca por força. Por força só se as fere.
Amar alguém é também entender o escorregadio de sua alma-peixe. Olhar sem tocar, tocar sem reter, reter sem força por um encanto que nem sabemos assim tão encantador. É tentar e ver. Expor-se ao vexame da fuga do peixe, aquele vexatório do peixe escorregado-agarrado-desabado-reagarrado-reescorregado-perdido-chorado, que atemoriza cento e um por cento dos mortais. É ter coragem de tentar. Ter coragem de tocar, ou ao menos olhar. Em qualquer caso, olhar, ainda que sem a menor esperança de possuir.

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