quarta-feira, julho 04, 2001

Olhava manso e direto. Um sem-cortinas que já a tantos intimidara que nem era surpresa quando alguém lhe evitava o olhar. Castanhos os olhos, e em sua modéstia ou falsa modéstia dizia-os ‘cor de asa de barata’, rindo. Profundo e vivo em olhares e palavras. Muito mais de olhar do que de ser olhado, mais de ouvir do que falar. E um enfrentar a si mesmo constante e dolorido que por vezes o curvava quase imperceptivelmente, espasmos-verdades.
Falava bonito, mas um falar bonito que nada tinha a ver com o palavreado rebuscado que nem gostava. Falava um falar que de bonito tinha o vir de uma região de si mesmo que prescindia e desconhecia palavras. E prescindindo e desconhecendo, apesar disso, ou talvez por isso, adquiria o poder de faze-las vivas e novas. Falava baixo mas nem sempre lento. Calava muito, um calar aflito e aflitivo de vida intensa, ardente, que de tão ardente logo cedia.
Sorria muitas vezes, mas tão discreto que pouco se percebia. É que sorria mais com os olhos do que com a boca. Talvez por isso aquelas luzes, que pareciam escapar dos olhos mesmo quando tentava, sabe-se lá por quê, mostrar um escuro que nem parecia seu. E eram tantas as vezes, como se temesse pela sorte dos outros diante do que era e pouco conhecia. Ser menos forte pelo bem dos fracos. Certamente sob dor forte.
Tinha mãos longas, firmes. Ágeis e precisas, e estranhamente apropriadas tanto aos esforços, não poucos em vida assim atribulada, quanto às delicadezas, estas de desejo e escolha. Podia transformar pedras em flores, gabava-se fingindo mentir, sem nunca deixar claro a que exatamente se referia.
Inaudíveis os passos, sensível e suave o toque, quase cerimoniosos os movimentos todos. Movia-se calmo mesmo quando aflito. Só nos olhos-faísca se lhe podia ver a fúria de alma, e eram poucos os que a viam. E tão próprio em reações e pensamentos que talvez fosse indiferente a uma tempestade ou talvez absolutamente arrebatado por um raio de sol. E se pouco se dava a conhecer de nome ou imagem, as muitas luzes de dentro o tornavam tão familiar que era como se estivesse estado sempre ali. E como se agora, conhecidas as luzes, fosse necessário mantê-lo ali sempre. E pra sempre.

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