segunda-feira, julho 01, 2002

- Não é babuíno então. É mandril.

Fausto tagarela do outro lado da linha e eu à distância examino Dirce, que não percebe. Castanha e macia, os pêlos sedosos que clareiam em torno do nariz vermelho. A cara é de um colorido suave - se fosse macho seria berrante, ainda bem - igual ao da bunda. Ela é tão bonita. As fêmeas de mandril menstruam feito as mulheres e não têm tempo certo pra acasalar. Que mulher. Mulher?

- Mas não é a mesma coisa?

Ela deveria ser bem menor, pelo que Fausto diz. Mas é grande, quase do meu tamanho. Ágil, doce, forte.

- Não. É a mesma família, mas outro gênero. Ô Cláudio, eu ouvi direito? Você tá dizendo que tem um mandril em casa?

- Eu? Não, imagina. Tenho que desligar agora. Depois a gente se fala.

Dirce continua a examinar os CDs, o olhar doce na direção da cozinha de vez em quando.

- Quer ajuda, amor?

Amor. Amor. Será amor? Ela é perfeita, é verdade. Tudo o que eu havia sonhado, menos um detalhe. Não é humana. Mas fala. Escreve, lê - romances - e adora música. Passamos nossos dias (desde quando?) respirando cumplicidade e sexo. Insaciáveis, ilimitados. Felizes. É perfeito. Não. Tudo seria perfeito se não fosse esse pânico que me toma quando penso em falar de Dirce para qualquer pessoa, mesmo as mais próximas. Aquele remorso, aquela culpa quando ela chora baixinho ao se esconder na área de serviço se chega uma visita. Se ela - raro, toma cuidado extremo - faz algum barulho e a visita pergunta o choro dura mais, porque eu tenho que dizer que é o cachorro.

É obsceno. Ela é obscena e me fascina. Acho que algum sonho insólito me escapou das profundezas e materializou ali todos os meus desejos, todas as fantasias, até as mais loucas. Ninguém poderia ser mais feliz. Ela me invade e me domina feito uma droga.

Ela vem até a cozinha. Eu sabia que viria. Eu queria. Sinto suas mãos em torno do meu corpo, seu hálito em minha nuca. Será que um dia eu terei coragem? Talvez não, mas o que importa agora?

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