segunda-feira, maio 21, 2001

Não era dor. Era muito choro, quase todo escondido, sempre que dava pra esconder. Choro tão fundo que não se sabia o fundo, escondido no escuro que sempre havia sido dentro, agora mais. Era um sentir pastoso de esforço e lentidão, um estar preso – e estar preso fora sempre tão aterrorizante, como naqueles sonhos da infância, de medos e gritos que não saíam, e braços e pernas que não moviam. Um tal sub-estar que o mundo todo era longe, lá em cima, e que não chamassem porque feria.
Querer era algo antigo. Não havia, agora. Havia o que é, e é. Então, que fosse, e consentia. Com – sentia – extrema consciência do querer que não havia. Lembrava-se ainda de quereres tantos e tão vivos que queimavam e luziam e se levantavam em ondas de quebrar e espalhar e derrubar e ser, ser, ser, ser em grito ou espasmo, mas ser. Quereres velhos, perguntava-se se mortos. E morrem?
Talvez fosse dor, sob todo aquele tudo sem nome cujo nome quase se lembrava, ou inventava. Talvez fosse até grito e espasmo, mas só lá, sob tudo, fundo. E era escuro e parecia tanto com o de onde o choro vinha, então conheceu mais um braço da verdade. Sim, tinha braços, e de fato era só o que se podia ver da verdade, os muitos braços. Sua verdade de braços não tão belos quanto fortes, indestrutíveis, mas retráteis. Lá estava.
E não o queria ver, não realmente. Era feio, e não sabia por quê, já que tão perfeitas eram suas formas. Ainda assim, desviou o olhar, mas foi porque tinha o péssimo costume de partir com o olhar e tocar nas coisas, ferindo-as, ferindo-se. Ah... ar... amaldiçoou a coisa repetida e monótona de voltar sempre ao mesmo poço de ar pastoso , aquele de esforço, lentidão, e vestígio de dor funda e escondida. Encolheu-se de novo, procurando conforto na superfície de si . Fechou os olhos para deter o olhar até da Alma. Adormeceu um sorrir triste, de novo.

Sem comentários: