quinta-feira, maio 03, 2001

Comprei um caderno vermelho. Na verdade ele de vermelho só tem a capa. Suas folhas são brancas com linhas pretas (azuis?) muito finas e eqüidistantes. Mas gosto de chamá-lo de vermelho.
Vermelho pra mim foi sempre cor de ousadia. Até nas roupas. Primeiro a indecisão, o abrir mão da discreção, cuidadosamente construído, depois o mergulho, e o não querer outra vida. Sou assim com ousadias, o medo vira vontade num piscar de olhos.
O caderno vermelho era para o óbvio: Escrever. Escrever o que quer que fosse. O mais óbvio dos escreveres. Eu precisava. Havia passado semanas fugindo de minhas próprias letras, eu que tanto dependo delas, e tanto sei disso. Vi-as ainda aqui, esperando, em algum lugar, aqui. Vi que de alguma forma era possível resgatá-las. Ousar. Não me ocorreu de início a necessidade do ousar para que eu me entregasse a elas de novo. Agora vejo o tamanho da coragem que me era exigida.
Para algumas pessoas, o escrever é de um tal abandonar-se que quase se parece com enlouquecer. Antes isso não era importante, o enlouquecer. A loucura era bela e sedutora, e eram tão mais altos os meus vôos quanto mais eu me abandonasse à sedução da loucura. Ainda é assim, ainda sei que é da loucura que partem os vôos, mas temo a ambos. Terão sido os tombos?
Ainda bem que não aprendi a fugir do que temo...
Tenha sido o que tiver sido, passei muitos dias sem as letras. Lendo, alimentando-me das letras alheias, mas sem dar voz às minhas próprias. Não quero mais assim, não quero estar protegida. Quero palavras e riscos. Letras, vôos e tombos. Minhas palavras são o melhor eu que há, não quero estar longe delas. Quero ousá-las, ousar-me em todos os meus arriscados e magníficos tons de vermelho.

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