domingo, novembro 09, 2003

E eu que não acreditava que história tão incomum brotasse no meio de gente comum feito eu. Eu que dizia que ‘novidade’ é substantivo feminino e é por isso que o masculino é previsível. Quis o destino, a vida, quis Deus, talvez por isso mesmo, que eu conhecesse o Adalgiso. É, Adalgiso mesmo, nome de homem para mim inédito (será esse o motivo, seu nome profético?). Contou-me sua história outro dia, num intervalo das aulas. Intrigante essa gente que aceita o desafio de começar os estudos – ou retoma-los – depois de tantos anos de ausência. Precisam de uma visão tão clara do mundo, das coisas, de si mesmos. Corajosa essa gente, e o Adalgiso. Tinha pouco mais de trinta anos, um casamento e uma filha-bebezinho, tempos atrás. Casamento moribundo. Finda a união, gritarias e descabelamentos de praxe, decidiu-se o destino do bebezinho da maneira mais inusitada: a mãe o deixando no asfalto de onde acabava de partir o ônibus com o pai, e indo embora também ela mesma.
- Como é isso de deixar no asfalto, Adalgiso? – eu pensava que era uma gíria nova, dessas que desancam os professores a toda hora, pobres ignorantes do dialeto de seus alunos.
- É deixar no asfalto, ué! Ela sentou a menina ali na rua e foi embora, dizendo que eu que desse conta dela. Aí eu voltei correndo, peguei a minha filha e fui dar queixa na delegacia.
Deu queixa, levou o bebê, pediu ajuda à própria mãe nas técnicas de manejo daquela coisinha delicada e ignorante do próprio abandono. Refez o enxoval, mudou de escala no trabalho, mudou de trabalho, perdeu noites de sono, foi ao pediatra quando necessário (“Cadê a mãe?” “Tem não, é comigo mesmo”), botou na escola na idade devida, aprendeu a achar tempo para as reuniões de pais, enfim, deu a palavra ‘filho’ um sentido até então desconhecido.
Hoje, passados mais de quatro anos, o costume é chegar em casa e encontrar uma mocinha saltitante, sorriso largo e vazio dos dentinhos da frente, que depois dos beijos e abraços vai logo dizendo, fingindo enfado: “Já sei, pai, você quer saber como foi o meu dia!”. Mocinha feliz, essa.
Diz o Adalgiso que ganhou um buquê de rosas no dia das mães, brincadeira carinhosa da família. Quase que ganha outro ao me contar essa história.

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