domingo, novembro 02, 2003

Havia sido uma tempestade daquelas. Mais uma, nem surpreendiam mais, embora ainda assustassem. Barulho de água e vento, peso do mundo inteiro sobre a cabeça. Medo. É ruim sentir medo quando não é um filme. Estavam ali bem juntos os dois, feito crianças fugitivas. Abrandavam junto com a chuva, junto com o vento, mais de resignação que de tranqüilidade. Foi então que falaram aquelas palavras difíceis, mesmo tão lindas. Ela falou em escolher acreditar. Em acreditar antes de ver, e moldar o invisível com as mãos, usando só a esperança. Ele chegava perto de entender, e logo se afastava, e mergulhava no entendimento de novo, de uma só vez, e saltava depressa para fora dele, fugindo em pânico... Ela tentava a doçura e a firmeza, juntas. Errava, tentava de novo. Errava muitas vezes porque de tudo o que oferecia também experimentava. Tentava de novo, então: Há o que se acredita sem porquê, em essência e desde sempre, como um destino, uma finalidade. Há o que para acreditar necessita de começo, e recomeço. O que se espera. Esperar também é acreditar, e ela dizia que é isso o acreditar por escolha. Acreditar no melhor porque é isso - o melhor - que se deseja. E repetia, repetia, que é aí que mora o começo do acontecer. Ele de olhos imensos, úmidos e fixos, era tão terrível isso. Tão aflitivo não ter de quem esperar a esperança que falta, porque só vem de dentro. Sim, só de dentro, ela disse. Esperança que se escolhe. Como ver as nuvens cinza e adivinhar o sol por cima delas. Pieguice, ele gritou bem alto por dentro. Só por dentro. Chuva fina, fria. Solidão muito mais do que de estar só, mas de pensar só. Ela não entende. Ele não entende. Ao menos estão ali, frente a frente, disponíveis, braços abertos, olhares macios. Ele escolheria acreditar por ela, se pudesse. Não sabe se pode. Só vai saber se tentar. Talvez tente amanhã.

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