sexta-feira, novembro 07, 2003

Se o farol pudesse dormir, sonhava. Ah, sonhava. Inventava o mar feito coisa pequena e viva que se pode tocar. Inventava em sonho o mar água-viva. Como gente desse tipo raro que parece tão suave e cristalino na alma. Trans...lúcida, assim, sem segredos. Silenciosa, é verdade, só que de um silêncio tão rico que parece voz, dessa que mais encanta quando cala (há que se saber calar um poema). Aberta ousada exibida trespassada de luz e água. Viva. Leve e ágil, móvel, arisca, dançando uma dança que é só dela, inventada e não ensinada a ninguém. Só aprende quem olhar muito. Se o farol pudesse dormir, e sonhar, olhava, que olhar e ser olhado são razão de ser do farol. Olhava o mar vivo na água-sonho-viva. Água-criança sem medos, absolutamente sem medo de nada. Ou talvez amiga dos medos, água-gente que tem dentro a tal maquininha de fazer do medo força, e salta bem alto quando encara a pedra. Sempre tem medo porque água viva é igual água-água, se parte em mil pedaços no rochedo, explosão pequena de um, grande de outro. Sem medo e sem pena. Diz o mar que só podia ser perfeito o amor sem medo e sem pena. Se o farol olhasse o mar sonhado, cuidava dele com os olhos. Tem uma cara tão vulnerável a água, quando viva. Sem defesas, e tão linda. De vulnerável só tem a cara, logo se sabe. Coisa pequena e viva que se pode tocar, mas só sabendo tocar do jeito certo (sem medo). Senão ela queima (sem pena). Isso, assim é essa água viva trans...lúcida. Silenciosa ousada leve ágil imóvel arisca urticante sem medo e sem pena. Sem sentido também, talvez. Daí o fascínio, pai e filho do sonho. Só quem entende é o farol.

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