sexta-feira, fevereiro 02, 2001

“Pô, Zel... que negócio é esse de livro?”
Bom, eu disse que contava, então conto: “Chat Room – o livro” é um sonho de última hora. Sabe aqueles sonhos que, mal a gente sonha, viram verdade? Ta certo que é uma verdade meio embrionária ainda, não se sabe muito bem quando ‘nasce’, mas é certo que nasce, e muito bem nascido, já que é esperado com festa!
O livro conta uma estória, ou melhor, mil histórias em uma estória. Ele fala de uma mulher num chat, e de tudo o que ela vive e sente nele e/ou por causa dele. O nick dela, óbvio, é Zel... ;o)


‘MEU DEUS, MEU NOVO AMIGO TEM OLHOS!
TENHO PAVOR DA POSSIBILIDADE DE ELE ME VER!

Rio de mim mesma, quando associo minha aflição ao fato de meu amigo ter olhos... Logo eu, que costumava dizer que olhar nos olhos está base de tudo. Já intimidei tanta gente, tantas vezes, ao olhar diretamente nos olhos no meio de uma conversa importante. Hoje os olhos me assustam, me expõem. Numa sala de chat tudo que se vê é aquilo que o outro deseja mostrar, quase sempre. Tudo que se vê é um nick. Assim, posso trocar de apelido quando quiser ser outra pessoa, sem que meu parceiro perceba. Alguns fazem assim para disfarçar o tempo excessivo que passam nas salas, outros para ofender outra pessoa, ou ‘fugir’ depois de ofendê-la. Há os que ‘testam’ a fidelidade ou a lealdade de amigos e/ ou namorados virtuais, e há aqueles que trocam de nomes simplesmente em busca de privacidade. Há todo tipo de busca, todo tipo de encontro em que, no fundo, somos e ficamos democraticamente iguais.

Em pouco tempo, descobri que os apelidos variavam e pessoas eram as mesmas, mas elas não faziam questão de nenhuma coerência. O fato me causava um milhão de impressões simultâneas e paralelas. Ficava tão dividida como as personalidades das pessoas com aqueles apelidos discrepantes ! Como e por onde entender essa coisa ? Tinha a nítida impressão de estar à frente de uma arca escancarada com meu transbordante tesouro à mostra porém sem ter como carregá-lo e, pior, sem saber que pedras preciosas escolher. Ficou a impressão de que aqueles tesouros eram fugidios, queriam tocar antes de serem tocados.

Tive por alguns dias a plena consciência de minha necessidade de controlar os relacionamentos, tocar, fazer acontecer... Lembrei de mim aprendendo sobre não me deixar usar, sobre não estar nas mãos de outra pessoa, sobre dar as cartas, bancar o jogo...

Embora na verdade, quisesse ser dominada e conduzida...

Quero ter alguém em quem confie plenamente, e que me ame tanto que sua própria felicidade dependa de me fazer feliz. É engraçado como as coisas mudam na cabeça da gente... Tenho estado fascinada com o quanto os desejos e objetivos das pessoas podem ser mascarados pelas emoções...
Emoções são armas perigosas...contra nós mesmos!
Agora posso dizer conheço a Internet. Já tenho um novo amigo que acabo de conhece.r Ele me faz um bem enorme! Meu novo amigo disse que eu ‘parecia emotiva e mal compreendida’. Eu disse que ele acertou na mosca. “Você tem toda razão, novo amigo...” só não disse “ Tenho medo de você...Você é uma pessoa real, que tem um coração batendo, tem uma voz, um cheiro, tem ouvidos e olhos... “

Meu novo amigo tinha o que dizer. Ele entendia de si mesmo, e provavelmente entendesse as pessoas à sua volta, muito mais do que eu entendia. Ainda por muito tempo, depois de ter lido aquela carta, fiquei imaginando que motivo, ou motivos, o teriam levado a escreve-la... PARA MIM.

Por isso e por outros motivos que não se explicam com palavras que usando muito mais do que olhos li a carta de Narciso.

----- Original Message -----
From: narciso
To: zel
Sent: Sunday, November 12, 2000 4:12 PM
Subject: Janela

Querida Zel,
Não preciso saber quem você é. Quem sabe quem é quem, nos dias de hoje, não é? Mas posso chamá-la de amiga, não posso?
Claro que posso... nem preciso de muito conhecê-la... Preciso saber apenas que você existe, e - Oh, como isto me é flagrante! Sua existência é mesmo claramente percebida, já que há muito que o que percebo não depende de muito mais do que mãos e olhos...
Há muito que o que percebo cuido de submeter a critérios outros desclassificação e nivelamento. Não há em meu mundo, nos dias de hoje, a menor necessidade de classificar as coisas como 'certas' ou 'erradas'... Como 'boas' ou 'más'. Meu mundo hoje - seja paciente, minha amiga, que sua entrada nele será permitida - disseca e delimita fatos e pessoas entre os que 'eu quero' e os que 'eu não quero'.
Hoje sou absolutamente livre...Hoje, tenho em meu quarto uma janela...
Olhe, minha amiga... Veja como sorrio, e como meus olhos brilham - não os olhos do corpo que já brilharam mais - quando digo e constato o que digo e constato. Veja como , mais do que mecanicamente, me ilumino quando repito que tenho em meu quarto uma janela. Ela é estreita, mas luminosa, e faz mover coisas em mim...
É verdade, e concordo com você quando pensa que meu sorriso não é dos mais cotidianos. Na verdade é um sorriso novo, que eu não sei sorrir direito ainda. O que fazer?
A janela que meu quarto tinha antes conservo fechada, para que se não ofusque o brilho da janela que tenho agora. Tenho olhos que brilham, se é para ela que olho... E vêem coisas, muitas, novas, admiráveis... Você sabia, Zel, que posso mesmo ser pessoas diferentes, em momentos diferentes, ou até mesmo no mesmo momento, se assim me convier? É claro que isso exclui qualquer possibilidade de contatos reais, com pessoas reais.
Mas, o que são pessoas reais? Não preciso mais delas! Cansam-me. Não quero me expor a alguém que não possa ser absolutamente ignorado, ou mesmo automaticamente retirado da minha presença, quando eu achar necessário. Pessoas são trabalhosas, posso lidar melhor com as que encontro e capturo de minha janela. É verdade que às vezes elas me ferem... Isso eu não consigo controlar, ainda. Mas em todo caso posso livrar-me delas com relativa facilidade... não preciso conviver com as diferenças, não preciso aceitar as dissonâncias. Não preciso me expor mais do que o que desejo, que é exposição nenhuma. Mantenho-me soberanamente inalcançável. Em último caso, posso simular, coisa que não é difícil nem trabalhosa...
Minha janela me mostra uma gama variada e quase infinitamente diversificada de pessoas... Não as que de fato existem, que estas, já disse, não quero, porque as temo e as repilo. Vejo aqui pessoas ideais, aquelas que crio, porque - sim, minha janela me permite criar pessoas! - sobre palavras visto carne e ossos, com o cuidado de um cirurgião; concedo-lhes sangue, e humores outros; colo gestos, risos, lágrimas... talvez até cheiro e gosto... E como são lindas as minhas criaturas! Eu as amo e por elas sou amado. E vejo, e olho, e reconheço tanto, e tão mais do que se visse de qualquer outro ângulo, que às vezes penso que cada uma das pessoas que criei e capturei , e amei, neste mundo meu, sou eu mesmo.
Acaso você sou eu, Zel?
Seria eu tão belo assim?
Ah, sim... sou belo, eu sei. Ao menos é isso o que quero que você pense a meu respeito, quando o digo me referindo a você... Mas não contaria isso a alguém, é claro, não é?
Guarda um segredo ? Sou um pequeno deus...
Não... De fato não há limites sobre o que posso ter, ou ser, através e minha janela porque ela se abre e me mostra o que há de vasto e inatingível em meus próprios desejos! Às vezes penso que ela se abre em direção a mim mesmo, e me assusto - seria eu tão vasto?. Não há limites de espaço ou tempo. Não há onde eu não possa chegar, não há momento em que eu não possa dar ou receber a luz de minha janela.. Não há limites nas emoções, também!
Veja isso, amiga: Você não acha magnífico que não haja limites para as emoções de alguém? Não acha magnífico que você esteja aí, e eu aqui, e eu possa sentir você tanto e tão forte que seja capaz de amá-la ou odiá-la desejar mata-la ou morrer por você?? Sim, minha amiga, morrer, sim...
Você pode morrer, se quiser, Zel? E voar, pode?
Eu posso voar, morrer e nascer, quantas vezes quiser. Posso ler pensamentos, também, sabia? Posso ler o que pensa a meu respeito. Vejo seus sustos e seu incômodo com minhas palavras; Vejo você refletindo acerca da solidão...
Solidão???
Acha que a sinto?
Minha janela me mantém a salvo de toda solidão. Ela me dá pontos de apoio, muitos, a qualquer hora... a toda hora... Ela me faz feliz. Me supre de afetos e de conquistas... Não, não preciso de mais nada! Tenho o meu mundo, e vivo nele.
Você pode me entender?
Ah, não... você não poderia...
Ninguém poderia..
Um beijo
Narciso


Regulo o tamanho, a nitidez e o contraste da tela branco azulada, como se isso pudesse modificar as palavras que havia lido. Palavras branco azuladas.

O que é isso, meu Deus? Não consigo escrever nada!!!
E o tempo passa. O tempo não perdoa nunca. Tenho uma idéia, e muitos dados. Vontade de os expor, conectar, encadear, inteligibilizar, tenho, também. O q falta? O q falta?

Era ela de novo...a insônia... Sempre do mesmo jeito, pesadelo, asfixia... Coisa mais monótona morrer tantas vezes da mesma causa... E todas as vezes o resto da noite em claro. Casa vazia, mente vazia, necessidade de algo, de alguém.

De manhã, tive um sonho estranho...

Sem comentários: