sexta-feira, junho 07, 2002

Ela o olhou daquele jeito indecifrável, e a única certeza que ele tinha era a de que estarem juntos era bom. Um sorriso cansado, quase triste, mas tão transparente que ele chegou a pensar poder-lhe ver parte da alma nele. Perguntou se ele conhecia a história, ele disse que não, pediu a ela que contasse. Ele gostava de ouvi-la, achava divertido quando ela dizia que o jeito dele olhar e ouvir era o de quem abraçava. Talvez ele abraçasse a si mesmo, nela.
O olhar dela passeava devagarinho entre o horizonte lá longe e o fundo dos olhos dele. Então contou:
Havia um rei muito poderoso. Forte, altivo, valente. Desses de antigamente, que iam à frente nas batalhas, conquistavam terras, subjugavam inimigos. Nada o intimidava. Ou melhor, quase nada. Havia um espírito mau. Era assim feito um fantasma que vinha de noite, às vezes de dia, e o atormentava. O rei na sua realeza se via indigente. Via-se desvalido em plena valentia, e sofria. Havia um menino que tinha uma harpa. Então veio o menino com a sua harpa, e a música do menino espantava o espírito mau. O rei não conhecia o menino, mas percebeu que era bom tê-lo por perto. Se ele se afastava, ou silenciava, vinham de novo os tormentos, então o rei chamava de novo o menino.
Não se sabe quantos foram os sentimentos. O absurdo da pureza extrema do menino diante da tão imensa escuridão da alma do rei. Observavam atônitos, suspensos. Viam a cena, ambos, mas era um ao outro que olhavam. A história nem era assim tão bonita, mas algo lhes dizia que a deles poderia ser mais. E seria.

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