terça-feira, março 06, 2001

Cada vez que se encontravam era um celebrar novo, de novo, do privilégio de se haverem conhecido. Como uma festa. Uma festa de palavras e gestos que ambos sabiam infinita, porque independia do que tinham e se baseava no que eram, cada um, para si mesmo e para o outro. Eram ilimitados nestes momentos, cheios de poderes mágicos.
Não. Não era paixão. Paixão é o sentimento que faz do outro um fim. Torna-o o objetivo final de todos os caminhos. Paixão desconsidera qualquer horizonte além do realizar-se a si mesma, e por isso é vazia. Paixão é fogo e explosão, mas ainda assim, paradoxalmente, fria, pq objetiva em vez d humanizar. É querer, puro e muito forte.
O que tinham era mais, era menos, era diferente. Era algo sem tamanho e sem nome, que elevava e arremessava cada um tanto em direção a si mesmo quanto ao outro e ao mundo, e que por isso mesmo os fazia grandes, sendo a grandeza o seu menor objetivo.
Palavras tinham muitas, mas as sabiam desnecessárias. Havia o olhar. Havia uma certeza de algo que não sabiam o que era, mas gostavam. Era um quê de conforto, um estar à vontade, um querer que o tempo não passasse para ficar ali, só entendendo que estavam juntos de uma forma muito mais do que física. E eram divagações, viagens, bobagens... Era não ter que dizer nada, era poder dizer tudo. Era leveza e densidade, deliciosamente alternadas, como um sorvete com calda quente.
O olhar era tudo. Era onde se entendiam crianças, e absolutamente livres. Gostavam de imaginar que tinham um vínculo tão seguro que mesmo que lhes fosse definitivamente impedido o encontro haveria em um algo do outro. Mas não era um pensamento romântico cinderélico, tipo ‘my heart will go on’, não. Era algo de antropofágico, de herança, de absorver o outro a cada troca, de ser um pouco o outro em idéias e pensamentos, simplesmente por achar nele espaço para sê-lo.
Eram amigos. Cúmplices. Amantes, eventualmente. Admiradores, sempre. Cultuadores quase silenciosos um do outro, em defeitos e qualidades. Sim , admiravam-se também os defeitos! Eram os defeitos, não seriam sem eles. Admiravam com alguma raiva, certas vezes. Mas respeitavam um ao outro, muito, extremamente. A noção dos limites do outro, que não tinham nítida, porque ninguém tem, era investigada e buscada a toque de dedos sensíveis e trêmulos. Cuidadosos, mais do que o necessário, mas verdadeiros, quase tanto quanto o necessário. Não havia hipocrisia. Eram, simplesmente. Por isso eram tão felizes nessas horas. Loucos e crianças. Completos.

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