terça-feira, março 27, 2001

Era inevitável. A imagem vinha-lhe à mente tão logo ouvisse ou pensasse na palavra. Seria assim com todo o mundo? Ouvira dizer que não. Mas eram poucas as palavras que não lhe produziam imagens na mente. SEGUNDA-FEIRA era uma sala cinzenta, meio enfumaçada, na qual se entrava depois de passar por duas outras muito claras e arejadas, o SÁBADO e o DOMINGO. ESQUERDA era o pedaço maior do muro da escola primária onde estudara, que era cortado, um terço à direita, por um enorme portão de ferro.
Assim virava tudo imagem, e por isso mesmo - sorte das sortes - virava tudo metáfora. Escrever/descrever coisas ficava fácil então, mas nada mudara no tocante a compreendê-las. Entretanto, levando-se em conta o mundo de coisas assumidamente incompreensíveis entre as quais vivia desde há tanto tempo, quem o desejaria, afinal?

Era aquela imagem especialmente curiosa. Um polvo enorme, cinza-azulado, de enormes tentáculos gelados cheios de ventosas, muito móvel, revolvendo a água e produzindo ondas de bolhas minúsculas. Nos dois olhos uma expressão muito séria, como aquelas que se assume quando se pretende provar algo a alguém. Impossível saber o que deseja o polvo, ou por que se move freneticamente, ou onde vão parar todas aquelas bolhas. Era aquela a imagem da palavra POLÊMICA.

Ao contrário do que pudesse parecer, não tinha aversão a polêmicas, nem costumava fugir delas. Mas, definitivamente, não pagava por uma. Ainda não havia visto um polvo (na verdade não vira muitos polvos na vida, e quase todos os que vira estavam mortos) que correspondesse em periculosidade à apreensão que a espécie às vezes despertava. Polêmicas, ao contrário, geravam mudanças às vezes. Algumas boas, algumas graves. Mas na sua maioria grande e barulhenta, elas costumavam produzir em quantidades consideráveis apenas adrenalina.

Mas, sabe que os polvos lhe pareciam mesmo uns bichinhos felizes?
Escrevia/descrevia polêmicas, em vez de entrar nelas. Perguntava-se se de fato não entrava, pois elas tanto lhe tomavam o pensamento, tanto divagava e enfrentava-se internamente, com tamanha intensidade, em função dela, que chegava a ser físico o seu cansaço. Era desse jeito que as amava.
No cansaço adormecia, adormecendo mergulhava em águas fundas e geladas, debatendo-se, muito móvel, revolvendo a água e produzindo ondas de bolhas minúsculas...

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