sábado, março 24, 2001

Eram verdes. Não, verdes não chegavam a ser. Eram esverdeados, feito algumas veias discretas que se insinuam sob pele morena. A mim me pareciam humanos, embora não tivessem em sua aparência nada de humano exceto os olhos. Sim, pareciam humanos usando fantasias estranhas, mas eram menores, alguns.
Da minha própria aparência naquele mundo eu não tinha idéia. Não que não houvessem espelhos. Havia muitos, e muito grandes. Espelhos animalizados que muitas vezes se nos perseguiam o deslizar – é, deslizávamos em vez de andar, como sobre uma total ausência de atrito, era sem dúvida um mundo de facilidades – colocando-se-nos à frente como que em atitude de desafio. Mas felizmente eram líquidos, e a maioria lhes atravessava o corpo sem olhar. Eu pensava que neste mundo os espelhos correspondiam aos cãezinhos.
Como quase todos ali, não olhava o espelho, nem a mim mesmo. Não ousava, gostava de imaginar que não me parecia com aqueles serezinhos esverdeados e barulhentos. Observava seus olhos duplos. Não eram pares de olhos, mas olhos dentro de olhos. O de fora, ressecado, enorme, muito aberto e rígido, era de ver, ávido em conjecturas, múltiplo de montar quebra-cabeças apenas olhando, eu achava. O de dentro era de um brilhante muito aquoso, transparente, mas tão pequeno que algum desatento seria capaz de ignora-lo. Eu o via apenas por causa da muita luz que emitia. Era a única coisa bela ali. O resto era no máximo engraçado.
Traziam coisas muitas nas mãos, que eu não conhecia. Não tinham soberano algum, ou normas estabelecidas, mas havia relativa paz. Sorriam, descobri depois, juntando dois dedos indicadores na frente dos olhos. É que não tinham boca. Falavam com os dedos, também. Inexplicavelmente eu os compreendia.
Pediram-me coisas. Que seriam? Sem olhar, larguei-lhes aos pés o que eu trazia nas mãos , que eu pensei que fosse nada. Eram palavras, uma enxurrada. Sorriram todos, e foi só então que me senti em casa.

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