segunda-feira, março 26, 2001

Tive a impressão de que o estrondo das muitas antigas palavras caindo no chão fosse produzir alguma alteração no cenário, ou em minhas sensações, como o acordar de um sonho. Enganei-me. Não houve estrondo. O ruído de minhas palavras era débil como o som de um riacho, e me produzia uma urgência doída como de um parto, mas de lágrimas. Saltavam-me zelos e dores, e era contê-las esforço e cansaço.

(Nesse momento foi quase certeza a impressão outra que eu tinha, a de que minha aparência não era humana de verdade. Às lágrimas sorri, e meus indicadores se se juntaram diante dos olhos. Mesmo assim não os vi.)

Seguia o som débil de riacho-verbo de mim, e era tudo úmido. Os seres esverdeados eram agora ouvidos atentos, diligentes, e ao mesmo tempo silenciosos e chuvosos de palavras. Uns abriam muito uns olhos brilhantes, os de dentro, os de se mostrar - verdade que vinham os espelhos impertinentes contumazes, perturbadores da avidez de se fazer ver ao outro antes de a si mesmo, mas para espantá-los bastava que não se lhes dirigisse o olhar - e iluminar, e era neles uma beleza muda e inquieta e torta e real. Esse abrir olhos de se mostrar podia ser doloroso, eu sabia de dentro, então estes que o faziam eu os via grandes e fortes.

Cessou o riacho, recolhi palavras e observei. Era o tempo, no fundo, uma esteira brilhante que se movia sempre e sempre igual. Alguns subiam nela, outros não. Um não muito grande tentava ultrapassá-la deslizando, mas flutuava e voltava.
Sabia-se muito naquelas terras. Eram grandes os olhos e os ouvidos, sempre ávidos, e mãos vertiam palavras. Vez por outra acoplavam-se olhos ou ouvidos a crateras no chão, como investigando. Vez por outra agitavam-se dedos prenhes de letras logo depois, e eram palavras secas. As palavras úmidas de riacho-verbo - felizmente alguns também as tinham - eram aquelas que emprenhavam inteiros corpos-almas, as vidas, por muito. E às vezes vinham ornadas de sorrisos, ou de lágrimas sólidas muito redondas, ou daquele brilho de luz forte, olhos de se mostrar. Eu bebia como quem ouve, e lamentava que o melhor de tudo fosse de tão poucos .
Sorri de medo de não voltar mais à humanidade.

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