quarta-feira, agosto 15, 2001

Encontro - I
Olhei de novo na direção do sol, que era também a da rua, e da praia. Olhos muito apertados, eu divertidamente fingia me incomodar com o ofuscamento provocado pelos raios que invadiam os meus olhos, o bar e todo aquele fim de tarde quase mágico. Lá longe, no mar em frente, brincavam na água um milhão de reflexozinhos saltitantes como estrelas, espécie de presente de despedida daquele sol que daqui a pouco iria dormir.
Lembrei sem querer das aulas de ciências, aquilo de o sol não ir dormir, porque ele é uma estrela, e a Terra é quem gira, e a rotação e a translação, e que estrelas são gigantes incandescentes, e não reflexozinhos saltitantes. Professoras de ciências têm um quê de sádicas, como aqueles cirurgiões que manipulam bisturis sem pena sobre a carne das pessoas. Uma vez eu havia saído tristíssima da aula, ainda no primário, quando Dona Nancy contou à turma que o coração não continha sentimento algum, e a gente amava, tinha medo, ficava triste ou feliz era com o cérebro. Imaginei que horrível seria desenhar cérebros atravessados por flechas, em vez de corações, e escrever neles o meu nome ao lado do daquele menino lindo com quem eu tinha certeza que ia casar um dia. Odiei Dona Nancy e as aulas de ciências por duas longas semanas.
Havíamos optado, ainda por telefone, por uma mesa na calçada. Por isso não importava que o sol invadisse o bar, já que eu o esperava do lado de fora. Esperava o moço, que o sol eu não precisava esperar, havia estado sempre ali. O moço também, pensando bem... e eu pensava. As pessoas passam por este mundo em busca de afinidades, e quando as encontram é que se dão conta de que elas sempre estiveram ali. Certamente passam por nós, ou muito próximo de nós, pessoas com quem temos afinidades grandes que jamais serão descobertas. É terrível, mas o bom que é quando as descobrimos compensa boa parte da frustração.
O moço não estava atrasado, não. Jamais se atrasava, pelo que eu podia supor. Metódico, organizado, gentilíssimo, socialmente correto, como eu costumava dizer, debochadamente carinhosa. Carinhosamente debochados, éramos assim. E eu havia chegado minutos mais cedo justamente porque sabia que ele não se atrasaria, e queria a cena assim. Eu ali, bem acomodada, e ele chegando, procurando...
(continua)

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