quinta-feira, agosto 16, 2001

Encontro - II
... Foi o que aconteceu. Emergi das minhas divagações e do ofuscamento gostoso daquele sol laranja e do milhão de estrelinhas da água bem a tempo de ver que aquela silhueta azul-acinzentada que se movia resolutamente na minha direção, embora ainda examinasse todas as mesas ocupadas à minha procura, era ele.
Nem foi difícil reconhecer o sorriso fácil, quase juvenil, no rosto maduro. Apesar de nunca o ter visto nem por foto, não foi difícil. Nossos sorrisos foram como abraços, e começamos – ou retomamos – uma conversa longa, a mesma de sempre, e sempre nova, dessas raras e vivas que jogam fora o tempo e trazem à tona a nós mesmos, tanto que chega a assustar. Mas já éramos versados nelas, assustávamos bem pouquinho, ao menos eu imaginava.
Tínhamos hábitos estranhos, ambos. Perguntas, respostas, até discussões pouco usuais. Por isso não estranhei quando ele quis saber exatamente qual dos carros estacionados ali em frente ao bar era o meu. Conversa fluida, interminável, e, descartado o tempo, era noite. Tão estrelada quanto havia estado o mar no pôr do sol. Meu gentil acompanhante pediu a conta, e me conduziu em direção à avenida, de modo que parecia que íamos em direção a um passeio à beira-mar, mas que terminou bem em frente ao meu carro estacionado. Ele bem conhecia o meu hábito infantil de dizer ‘fica!’, insistente, não importava o motivo da partida. Antes que eu pudesse dize-lo, então, me disparou um beijo na testa, entrou no táxi que eu nem havia visto parado ali no sinal e desapareceu. Sem que eu me desse conta, havia ficado em minha mão um envelope, e dentro dele, previamente escrita à mão, com caligrafia primorosa, a crônica de um encontro ao pôr do sol, exatamente como havia acabado de acontecer.

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