quinta-feira, outubro 23, 2003

(Para o anjinho)
Existe lágrima boa, sim, menino. Olha aqui, se é verdade mesmo que existe o bom em tudo que é ruim, que existe o ruim em tudo quanto é bom, isso ninguém me ensinou, não. Nem a vida, ensinadeira feroz. Nem ninguém, nem coisa nenhuma. O que sei, de um saber claro igual à lua cheia – tenho pra mim que se a lua fosse de saber em vez de brilhar ia ser um saber imenso, de tanto tempo que ela avista tanto lugar – lá em cima... Pois é, sei de um saber claro igual aquela lua cheia lá em cima que existe lágrima boa, sim. Presta atenção, menino, que quando a alegria é muito funda, muito quente, muito forte, grande de encher a alma inteirinha, pode até jorrar pelos olhos, viu? Feito nascente. Não, feito cachoeira. Não, feito chuva. É isso! Lágrima boa é feito chuva. Até sem cheirar tem cheiro de chuva num verão de antigamente, a terra quebrada de seca bebendo, bebendo como bebessem todas as sedes do mundo. Ávida, a festa do alívio. Até sem ouvir tem a música dos pingos no teto ou da voz querida, voz-surpresa que chega ouvido mente alma peito olhos adentro, ordenando despejo a dores e lágrimas boas. Muito quente, muito forte, tanto que não se pode esquecer nunca. Também tem o escorrer apressado e sem fúria, calmo e reto como uma bênção, aquela que faz tanto tempo se pede. E mesmo assim se duvida. E mesmo assim se sonha e sonha. E mesmo assim – ó homens de pequena fé – não se espera.

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