segunda-feira, janeiro 22, 2001

Enquanto tento falar de palavras, meu assunto preferido, volto ao tempo em que surgiu a idéia de escrever um livro. Lembro-me da história mais marcante, desses tempos. Eu contara a um amigo virtual, posteriormente real, que viria a ser meu parceiro na construção dessa estória, uma experiência que eu havia vivido na faculdade de Biologia.
Era o terceiro período da faculdade, e estudávamos Anatomia humana, praticando em cadáveres conservados em formol. Dissecávamos as diversas partes do corpo, identificando órgãos, vasos sanguíneos, nervos, ligamentos... e a cada unidade estudada tínhamos provas, teóricas e práticas. Chegou o dia de uma prova prática a respeito do pescoço. Eu havia dissecado durante semanas o pescoço de um dos cadáveres, e agora devia provar aos professores que sabia o que havia feito. Chamada por ordem alfabética, a letra L nunca que chegava! Tensão, dor de cabeça, de estômago, tremores, frio e calor. Quanta bobagem, era só um pescoço! ‘Lilian!’ , lá fui, em pânico. Perguntas várias, acertei, errei, e o mestre me pede para identificar, no meio do mafuá, o NERVO VAGO. Ah, era a última questão e eu precisava acerta-la! Cara de quem sabe é fácil fazer, mas, onde estaria o dito? Pinça em punho, aproximo-me do cadáver e toco um feixe de ‘coisinhas compridas’ que passava pescoço abaixo, em busca de algo que eu pudesse chamar de nervo vago. Nem vi no que esbarrou a ponta da pinça, o mestre decreta: “Está certo, pode ir.”. Não sei até hoje a localização exata do nervo vago.
Ríramos da história, que eu usava para descrever a minha sensação diante do talento para a escrita que ele identificara em mim sem que eu mesma o compreendesse muito bem. Eu escrevia, e pronto, e não tinha a menor idéia do estilo, da qualidade, das minhas possibilidades. Meu amigo, que eu já chamava de chefe, dizia “Está certo, pode ir”, e eu ia! Não, na verdade ele dizia “Pode vir”! Por isso eu já nutria por ele um sentimento engraçado, meio submisso, meio possessivo, que me fazia ouvir intimamente os versos de “To Sir, with love”, cada vez que conversávamos.


CHORAR

DEIXA-ME CHORAR PALAVRAS.
CHORAR IDÉIAS, QUE ADOEÇO!
DEIXA-ME ASSIM DOENTE,
INDOLENTE, CHORAR MEU POEMA.
DEIXA-ME ,QUE GRITO ALTO
E ASSUSTO GUARDAS ,SENTINELAS.
SENTE QUE É MEU VÕO DÉBIL
DE POUCA ALTURA E MUITO CUSTO.
OUVE O SILÊNCIO ,MINHA VERDADE.
DEIXA-ME CHORAR VERDADES
FEIAS E DOCES E QUENTES.
E NÃO ME SOCORRA A NÃO SER
QUE EU PEÇA TEU NÃO SOCORRER.
06.12.00


VAGAS

AINDA VAGA A ALMA, VAGA DE INQUIETUDES,
PLENA DE SOMBRAS E DESTINOS, PRENHE DE FUGAS E VAZIOS.
AINDA VAGA PORQUE VIVE, VIVA, ÁLGIDA E ARDENTE,
E MENTE E MORRE, E VOLTA E VAGA.
AINDA SONHA A ALMA, EMBORA ATÉ RESISTA
VELHA DE HISTÓRIAS E PESARES VELHOS... DE ERAS ESQUECIDAS
AINDA SONHA PORQUE ESPERA, GRITA ERROS ESTRIDENTES
E VAGA, E VOLTA, E CEDE, E SONHA.
10.11.00


ALARME

PAREM TUDO!
TENHO UM POEMA NOVO.
VEM NASCENDO, CHEGANDO...
PAREM AS MÁQUINAS!
PAREM MÁGOAS E MALES;
PAREM MEDOS E MODOS;
PAREM A MÚSICA!!!
SILÊNCIO...
TENHO UM POEMA NOVO.
NÃO DEIXEM QUE FUJA,
NÃO DEIXEM QUE ESMAEÇA,
NÃO DEIXEM QUE ENVELHEÇA.
SÓ ENVELHECEM OS POEMAS
QUE NASCEM MORTOS.
09.11.00

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