sexta-feira, janeiro 26, 2001


----- Original Message -----
From: Lilian Wing
To: Bluechairy
Sent: Wednesday, January 24, 2001 9:15 PM
Subject: De príncipes e grinaldas de hera


Então vou escrever para vc, afinal...
E não se trata de resposta... É uma carta, de verdade! :o)
Já reparou como as cartas são mais valiosas do que as respostas? Será que são, mesmo? Bem, ao menos eu prefiro receber cartas do que respostas. Mas isso não quer dizer que eu não vá ficar olhando pela janela, de vez em quando, observando se não vem chegando o carteiro, viu?;o)

Olá, queridíssima... como está?
Sei que nos falamos há pouco, e sei que não estamos em nossos melhores dias, mas tudo é tão variável, né? Talvez menos em uns, mais em outros. Já não estou muito triste, agora. Eu sou variável, muito, absolutamente móvel, mas preservo os queridos. Digo que minha mobilidade não representa risco para quem está próximo, entende? Ah, mas não é disso que quero falar.
Bem, do que quero falar mesmo? Ah, do amor...
O amor ao outro... o amor que une casais... amor romântico... Ah, como é difícil falar dele, pra mim, sabe? Já vivi um pouco mais do q vc, apaixonei-me inúmeras vezes, me feri em quase todas, e preciso confessar a vc que não conheço o amor. Não esse. E tenho que confessar mais: Vivo tentando dizer a mim mesma que o tal amor não existe. Mas no fundo ainda acredito, e continuo procurando. Por isso é que digo que não sou indicada pra falar disso, já que até agora cometi muito mais erros que acertos nesse campo.
Mas se é para falar do que sinto, falo. Acredito em duas almas lindamente jovens, e igualmente 'contaminadas' por essa coisa sem nome que a gente chama de amor. Vejo-lhes os olhos, a expressão do rosto e os gestos ao falar dessa história. De vc é como se visse de verdade, q há emoção no seu texto como em quem se vê. Portanto posso dizer, romanticamente desmiolada, que NESSE amor acredito.
Então, mudando de assunto sem mudar, vamos aos versos:

EROS E PSIQUE
Fernando Pessoa

...e assim vedes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas
que vos foram dadas no Grau de Adepto menor, são,
ainda que opostas, a mesma verdade.

DO RITUAL DO GRAU DE MESTRE DO ÁTRIO
NA ORDEM TEMPLÁRIA DE PORTUGAL


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem q seja obscuro
Tudo pela estrada afora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.


Quando li esses versos pela primeira vez senti raiva do Fernando Pessoa. Os ditos me confundiam, me afligiam... Eu não os compreendia com a mente, tampouco com a alma. Depois fui compreendendo, sabe-se lá se pela poesia ou pela vida, ou por ambas, que nessa vida toda procura é uma só, toda espera é uma só... só os encontros é que são vários.
Explicar um poema, amando-o, é como profanar algo sagrado, eu sinto. Sei de muita gente que o faz com maestria, poetas inclusive, mas não é algo que eu seja capaz de fazer. Conto somente o que sinto (repito?). E sei, e penso, e acho que procuramos a vida toda por nós mesmos. Ecos de nós mesmos, ainda que daquilo que não conhecemos em nós, no outro. E esse encontrar é tão longe, tão fundo... é tanta estrada e muro até que o reconheçamos, que a maioria de nós desiste.
E desistindo, tentamos que o outro seja o que não é... desejamos dele o que não sabemos. Por isso não entendemos uns aos outros. Tenho certeza de que as pessoas mais importantes em minha vida foram aquelas que me possibilitaram, ao menos um pouquinho, o encontro comigo mesma, nelas. Ah, que confusão estou fazendo, né? Mas é confuso assim, mesmo, que vejo... lindamente confuso e difícil.
Então, que haja amor, que haja medo, desconforto, confusão, mas que haja a busca, que fomos feitos pra ela. Que, inevitável, haja a ilusão, mas que saibamos lidar com ela. E que haja alegrias, muitas, sempre.

Beijos carinhosos!
Lilian

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