quinta-feira, janeiro 25, 2001

A poesia se apresenta para mim agora de múltiplas maneiras, em múltiplas formas; ela é alegre, mesmo que eu não o seja... Ela tem vida própria.
Posso brincar com rimas, descansar sobre reflexões, me esconder atrás de metáforas. Posso também simplesmente soltar a mente e deixar que as palavras voem, sem fim, sem finalidade, sem motivo, sem paradeiro...
E às vezes parece que nunca vai cessar.
Como se tudo em mim vertesse palavras.
E a realidade tem menor importância que o sonho...
Rio enquanto escrevo, como que sob o efeito das palavras, poesia, que às vezes dói, às vezes provoca, às vezes acalma, às vezes excita, às vezes desfalece, às vezes aquece, às vezes congela...
A poesia é mais verdade do que a alma pode suportar...
Ela é maior do que nossas máscaras.
Ela é maior do que eu, escolhendo caprichosamente entre destruir e proteger.

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- Olha e caminha, e não pares – era um vasto quente e claro, eu vacilante, olhos secos e ávidos, caminhava.
Caminhar era coisa de Alma, celebração, purgação, inevitável e sem resposta. Era preciso, eu sabia, mas sem porquê. Sentia mil longes, cansava, mas seguia o necessário de dentro, que era caminho. Mil dias e noites, ou segundos, e parei. Primeiro nada, espera, quase alívio. Já não era claro, nem quente.
Alma era sempre, e era eu. Um rio.
- Se vês, qual a vista? – Eu não sabia.
Paralisava de mil novos de ver. Um rio impensável, grande, lento. Água limpa e escura, pedras cortantes. Neguei pedras cortantes num rio, mas eram, sim, e permaneceram. Corria constante de firmeza soberana. Fresco e macio, eu o desejava em sustos e espantos.
Eram surpresas tantas que eu nem fervia. Digo um ferver novo, sobressaltado. Já contava com sustos e espantos, e os bebia. Quase amava. Alma era de poucas perguntas e poucas respostas, eu de muitas sedes e pressas. Quando havia algo a saber. Perguntava o que já dentro me era resposta. Então era um todo móvel, liso. Era o rio. Eu dizia sem certezas.
- É vista viva, fresca movediça. Negro e cinza claro-transparente. Pedra e água e som que vai sozinho e sábio.
Estranho era o rio que eu via pedra em vez de água. Pedra primeiro, ainda que fundo. Água baixa, invertida, muita, mas eu via pedra. Triste-seco, e a água ali. Pedra, água e som.
- Que vês além do que queres? Que ouves? - Fechei os olhos, ouvi.
Só agora me dava conta de que ouvia o rio, compreendendo. Fugiam palavras e saberes, compreendendo. Alma atenta, diligente, eu ia. Alma ativa, esforço feliz de efeito certo, olhava longe, o rio sumia.
E ali fiquei muito, imóvel. Era devagar o rio e o que dele se fazia em mim. Eu gastava e desfazia e amontoava como margem. Resistia menos, menos, o rio mais perto.
Lembrei do querer macio, sem pedras. Era diferente. Aquilo era vida, independente, irrevogável, cheia de duros impiedosos e desvios, mas brilhante. Desejei entrar, e sem palavras eu era dentro, mais dentro, mais fundo móvel revolto, um turbilhão. Medo de novo, água muita e rápida, o saber doído – ponta de pedra – de que é sem volta, não há volta, água medo-redemoinho, não há tempo, súplica, não há parada. Só à frente, à frente. Cansaço e choro rebelado, revolto, mais água e pedra, debater inútil. Alma olhava serena e eu precisava beber-lhe o olhar, mas sumia. Água e medo – ponta de pedra.
O tempo não é, mas passa. Raso sereno, sossego e lágrimas. Sábias inexplicáveis, vidas muitas em uma. Fim do dia. Descanso escuro.
Alma muito quieta e viva, sabendo, sabendo... E eu via, toda a noite. Escuro, e eu via claro, sorri segredos. Dos debateres inúteis e desvios, e a calma escondida, desejada, mas só de fora. Do mover sem volta e sem parada, e do saber fazer-se mover, sempre quase velho. Da vida uma, infinita aos olhos, seqüente, impiedosa e bela, do rio. Da muita impotência e do poder dormente invisível inexplorado, dos medos e esconderijos secos.
Amanhecia quente e novo, o vasto era meu, mesmo que eu não o quisesse. Mas queria. Caminhei.

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