terça-feira, janeiro 30, 2001

Pois muito bem, pois muito bem... E dizem (dizem se diz quando se quer dizer algo sem que se diga que foi você quem disse, entendeu?) que é o leitor que faz o texto...será?

Dúvidas doces são sempre deliciosamente bem-vindas, mas apesar de deliciosas são de difícil manejo, têm muitas cascas, alguns espinhos... por isso é que alguns as rejeitam. Vocês não têm idéia da quantidade de dúvidas que é jogada no lixo todos os dias. Mas como não são perecíveis, algumas são reaproveitadas, e recicladas. Claro que perdem um pouco do sabor, mas ainda assim são de valor considerável.
Então eu pensava de novo nesse negócio de o leitor fazer o texto... Ora, será que uma mesma pessoa pode fazer um texto ter dois ou mais sabores simultâneos? Descobri que pode, ao menos se for assim, doidamente limitado em letras e raciocínios como esta que vos escreve.
Duns tempos pra cá, desde o advento de “Chat Room – o livro” (juro que conto o que é a quem perguntar, caso não saiba) , resolvi sentir-me escritora, e (a doçura de ser primitivo, mais do que a pretensão de sentir-se escritor) ler com os olhos de quem escreve os livros nossos de cada dia. Sabe quando você aprende a pintar, e olha uma tela pensando nos pelinhos do pincel, na qualidade da tinta, na técnica utilizada? Ou quando assiste um filme pensando na iluminação, ou no que quer que tenha um filme? Poizé.

Ler um livro pensando em como o sujeito o escreveu é curiosamente inssosso. É não viajar nele, não se deixar levar, não flutuar em palavras, não se emocionar. De repente não é mais a magia, mas a técnica, e eu ali tensa com aquele calhamaço de papel offset 100% reciclado que pra mim nem tinha gosto de livro. Foi bom pra você?
Resolvi despir a aprendiz e deixar nua a alma, que assim é que ela sempre foi. Comecei de novo, sem mais olhar na direção das câmeras ou do de trás delas. Comecei de novo olhando na direção do cenário, entrando nele, em imagens, sons, cores, cheiros, sabores tantos, e sem me preocupar onde ou quando ou como o autor os colocou lá.

Certamente dessa maneira fiz a viagem que autor nenhum faz em sua própria obra. A viagem do leitor. O Jorge Luís Borges, numa palestra recentemente publicada em livro, diz assim: “Como sabem, eu me aventurei na escrita; mas acho que o que li é muito mais importante do que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever.”

Escrever é, de certa forma, abrir mão da viagem. Eu pensava que era o contrário, e talvez muitos pensem assim, também. E é claro que posso estar errada, caso exista o certo e o errado quando se fala de sensações, ou de sentimentos... O fato é que, já há uns três livros lidos (ou melhor, já há todos os livros que li, desde o primeiro) não consigo fazer mais do que saborear, degustar, usar e abusar de minha própria imaginação atrelada à do autor. E ainda não encontrei forma mais deliciosa de olhar a palavra escrita.

Só que agora tenho um objetivo não atingido...
Não aprendi ainda dessa vez como se escreve um livro.
Será que não? ;o)
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