sábado, janeiro 20, 2001

É tanto o que dizer, tanto o que contar... tanto e tão mais profundo o que se sentiu, a cada vez que se sentiu... A história por trás da estória... coisas da vida, não da profissão. Coisas da alma, das asas. Coisas que só se entende quando ouvidas ou lidas ou experimentadas de dentro para fora.
Vou contar, sim, e contar é nesse momento até mesmo quantitativo, já que posso enumerar e numerar cada um dos desertos que já conheci nessa vida, cada uma das sedes que senti ao atravessa-los, cada temporal que me fez tremer sem frio, cada curva, cada noite, cada eclipse... Vou contar o que quero que saibam todos aqueles que como eu acham que a esperança é o que salva a alma, e não a paixão.
Mas em todo caso é essa uma historia de paixão, ainda...
Sou uma escritora hoje?
Não o era há alguns meses atrás. Não no sentido literal (literário?) do termo, já que a escrita e as palavras sempre me acompanharam como anjos da guarda... ah, os anjos. Anjos, asas e vôos, e o fascínio do aprender a voar... Escrever é respirar, e caso eu tenha sorte, é voar também.
Narro uma viagem, uma grande viagem de volta, não sei exatamente de onde, mas sei que cheguei, ou ao menos estou muito perto disso. Tenho a alma na ponta dos dedos, e escrevo. Tenho coragem de sobra, e por isso escrevo. Tenho pra contar a mais bela das histórias. A história de um encontro.


Rio de Janeiro - 19.01.01

Agora era um pássaro na janela.
Minha janela era dura de grades e dores, mas ali estava ele. Gostoso, espalhado, criança, um todo breve e cheio e assustadoramente meu. Não sei se em som, imagem ou cheiro, mas eu sentia Alma. Dúvidas eram um sempre, mas havia saberes que não as tocavam. Este era um.
Eu sabia quando era Alma, e ela estava ali. Não no pássaro. Alma era, e eu era feliz por isso, por saber isso. E era a pequenez pulsante, quente e frágil na janela, longe quilômetros, e eu querendo... querendo...
Lembrei do querer de Alma. Ela mo havia mostrado uma vez. Não pudemos vê-lo todo, assim grande, passeávamos simples sobre ele, sem rumo. Querer claro, macio e quente, ele não terminava visível. Eu sabia de Alma que ele terminava na morte, por isso não víamos. Mas era tão lindo que eu quis deitar-me nele.

- Não podes, que ele estraga! Hás de mover-te nele, mesmo lento.

Agora eu movia, e me olhavam , ambos. Havia música ,luz, e tudo me atravessava, fluido. Havia chamado e envio, e eu era medo e querer. Eram olhinhos miúdos, os do pássaro, sem sombras de saberes velhos, inúteis. Eram puros, me abriam. Caminhei muitos dias em direção à janela. Alma sorria, falava de vôos e eu fingia não entender. Medo era longe, e eu nem lembrava.

Moveu-se o pássaro, e eu sumi (som de fogo extinto).
Pássaros voam, pensei. Pensei o frio das mãos, frio de mil desejos sem fundo, de tempos tão antigos que ainda nem eram, e não o toquei. Olhei tão macio quanto um toque, raro como o raro de estrela nova. Ele gostava. Sorria e contava sem palavras histórias dum nascer muito alto. Havia som nos olhos, e era ‘vem!’, mas temi. Alma não sorria agora; olhava serena, e era quase corpo.
Quente de sol, ou de sangue, não sei. Sei o queimar, o marcar. Alma alegremente desconfortável. Eu sabia muito a cada pouco, eu crescia, móvel e forte. Movia ritmo e tato. Buscava e achava, e era sem fim. Querendo...querendo... ar sólido, o tempo não era ainda, éramos. Forte e perto, grande, fundo e perto...

Ouvi cigarras, entardecia. Tarde era susto e pressa, voltei. Cigarras chamando, escândalo, Alma silenciosa, eu contendo mil gritos. Ele voou quente como minha lágrima.
- É seu – Alma sabia que eu não precisava de mais do que isso.
Adormecemos um vôo fofo, de nuvens quentes e doces certezas. Eu o veria de novo ao acordar.

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