domingo, junho 03, 2001

Parecia uma idiota. Pensou por um momento em qual seria o demérito de parecer uma idiota. Era já desde o segundo grau fato sabido que os idiotas são portadores de uma anomalia genética que lhes dilapida a inteligência antes mesmo que ela exista. Era claro então, se é que alguma coisa era clara, já nem sabia, que não há mérito algum na inteligência nem demérito na falta dela. Achou bonito parecer idiota e mesmo que não achasse não sairia dali. Não podia.
Os peixes iam e vinham. Flutuavam diante dos seus olhos como idéias, palavras dessas que fogem quando a gente se mexe, como respostas assustadiças. Não os tocava, mas quase podia sentir-lhes a textura escorregadia da pele. Peixes não haviam sido feitos mesmo para serem seguros por mãos humanas. Olhou para as próprias mãos espalmadas de cada lado da cabeça, unhas bem-feitas de brilho cuidadosamente simulado, como todo brilho que ousava demonstrar. Queria mais, um quê que não sabia. Só os peixes pequenos estavam por perto. Bom. Havia sempre temido as coisas grandes, as idéias grandes, o ser grande. Os seres pequenos lhe eram confortáveis, familiares. Queria que todos fossem seus, e riu do grande que era essa idéia confortável.
Era como estar lá dentro. Desejou um sonho – sim, já muitas vezes havia ousado desejar ou planejar sonhos, que já algumas vezes acabaram acontecendo sonhos de verdade do jeitinho que havia desejado, e era divertida a idéia de sonhar ao contrário, sonhalizar realidades. Mas agora desejava um sonho onde pudesse dar um passo à frente, só um, e entrar no gelatinoso fresco daquele mundo de vidro e água que agora só podia olhar. Tragada pelo mar forjado de peixes e respostas, faria parte dele e talvez fosse ela mesma uma resposta também. E era bom que sonho não tivesse tempo passando. Não gostava do tempo que sempre lhe roubava os agoras de que tanto gostava. Sem tempo era fácil estar ali entre um tudo de si mesma tão desconhecido quanto fascinante, tanto de tudo de si que era capaz de se amar, até.
Quase tocava o vidro com o nariz, agora, olhando nos olhos dum peixe grande, listrado. Ele não a enfrentaria, lamentou. Ninguém o faria, se soubesse. Mas não sabia ela, também. Nunca teria medo, se soubesse. Esperava que o dissesse, o peixe listrado de olhos redondos que de grandes e sem pálpebras pareciam susto, mas eram calma. “Senhora, não pode ultrapassar as cordas”. Redondos os olhos traindo a voz firme. “Senhora”. Não, era outra, que não se sabia senhora de coisa alguma. Talvez de algo que ainda precisava conhecer. Algo que talvez tivesse encontrado se o segurança do shopping não lhe tocasse gentilmente o braço...

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