terça-feira, outubro 30, 2001

Borboletinha estranha aquela. Entrou sabe-se lá por onde e escolheu como campo de pouso uma parede muito branca e lisa diante da janela. Sabe-se que as borboletinhas nunca sabem onde está a janela quando é hora de sair. Só na de entrar. E isso é bom porque é como se elas fossem incapazes de ir embora. Talvez sejam. É assim com os pássaros também, mas os pássaros não têm o orgulho das borboletinhas, então assumem a impotência, debatendo-se à procura da janela, ferindo-se e agonizando a ausência da liberdade. Desta entrega as borboletinhas são incapazes.
Esta era cinzenta e triste, mas tão pequena e ágil que merecia ser no mínimo amarela. Parecia muito, muito mais pesada do que uma borboletinha deve ser. Esvoaçava rasante sobre crianças fascinadas e adultos impacientes, e retornava à sua parede branca. Era esforço, a borboletinha. Esforço e dignidade. O cinza sobre o branco, insolente. Um enorme eu-borboletinha para inveja do eu-homem.
Mantinha as asas em riste, como conscientes da expectativa geral de que se abrissem. Era cinzenta, é verdade, mas era borboletinha, e deseja-se abrir as asas de uma borboletinha mesmo cinzenta. Caminhava vacilante parede acima, fremindo as asas hipnóticas. Parecia dizer coisas com elas.
Vez ou outra deixava-se desabar, esvoaçando parábolas, voltando à repetitiva escalada até encontrar. Encontrou um sítio áspero no interruptor de luz, e foi um minuto eterno de quietude tensa, alerta e cinza. Relaxou, vitoriosa, abrindo-se por inteiro, exibindo todas as suas cores impossíveis. Depois sumiu, como toda borboletinha. Seja por vôo, seja por queda. Importa é que sumiu sem levar consigo o perplexo de se descobrir o sobre-humano em asas de inseto. A borboletinha não compreendeu e não foi compreendida. Foi só vôo, só esforço. Desafio, persistência. Foi mancha e marca, mais do que imagem. Mancha triunfal no branco covarde da parede humana.

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