sábado, outubro 20, 2001

O que tem que ser, tem que ser. O barulho aumentará, ensurdecedor. Encurralado, nem ousará pensar numa maneira de sair. Estranhamente, estará sereno, quase conformado. Há de suportar até o limite. Onde será o limite? Será como se tudo e todos ao seu redor tivessem como principal objetivo daquela dia o tatear e testar os seus limites. Como, se nem mesmo os conhece? Impossível saber. Depois serão perguntas. Débeis, e por isso mesmo agressivas. Tudo o que há de contrário ao que se deseja fazer é agressivo, e não desejará perguntas. Não desejará ouvir, nem responder. Faltará algo, um vazio, um silêncio, um não estar ali. Faltará algo que ainda esperará ter.
Serão pessoas, de verdade. Mas se recusará a olhá-las, a reconhecer-lhes a existência, por mais barulho que lhe produzam na alma. Sim, porque a essa altura o barulho já não lhe ferirá só os ouvidos. Entrará como punhal, doído, agudo, e se alojará no fundo, explodindo múltiplo em direção a um monte de idéias que estarão tentando dormir. É provável que se estilhacem, em vez de acordar. E farão falta. Será que as terá de volta?
Sorrirá amarelo. Não importará, desde que sorria cordial e educadamente. Todos sorriem amarelo, em todo o mundo. Tem uma teoria que explica os sorrisos amarelos. É que todo mundo permanece assim trancado, defendido, desprovido de janelas, e de fora cola um adesivo-sorriso, que amarela com o tempo. É necessário isso porque o sorriso de verdade é muito difícil. Sorrirá amarelo pensando em tudo o que é seu e não tem.
Trocará o direito de ensimesmar-se por monossílabos. Ouviu inúmeras vezes isso de 'o que é do homem, o bicho não come'. Agora terá dúvidas. Sempre as tivera, enfim. Mas o fato é que em algum lugar lá no fundo tem como que a relação de tudo de seu, seja hoje, seja em qualquer tempo. Então há de se esparramar nela em silêncio, e por frações de segundo poderá senti-la tanto que tudo em volta sumirá. Ter alguém ou alguma coisa é quase o mesmo que entregar-se a ela, então há de sentir-lhes o toque, o tato, como se de fato lhe ocupassem espaço dentro e existissem naquela mesma hora e lugar. É assim que se faz presa daquilo que deseja, prazerosamente.
Desta vez será algo lá dentro de si, algo sem nome. Embora tenha o hábito de dar nome a tudo que tenha ou sinta, haverá algo nesse tudo que de tão repentino e ofuscante não merecerá nome. Já o tivera, lembrará vagamente. Quando criança, talvez. Um jorro de si, que embora forte e impetuoso é também doçura e silêncio. Um riso frouxo, tolo, despropositado, desprotegido. Rir-se.
Dizem 'rir-se', os portugueses. Ouviu assim a primeira vez ainda criança, e achou engraçado. Rir-se é engraçado , mesmo, mas ao mesmo tempo tão apropriado. Fluir no riso, feito aquele solzinho na janela. E saberá ser possível um fluir assim porque se saberá leve, tão leve quanto os grãozinhos de poeira flutuando no raio de sol.
Passarão tempos, eras, e suportará heroicamente. Abraços no final, acabará logo. Despedidas, votos, comentários simpáticos. Muito, muito tempo depois, o silêncio do quarto, enfim. Livre. Ao menos até o próximo aniversário.

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