domingo, outubro 28, 2001

Quase quatro horas, e ainda essa bagunça. Ai meu Deus, estou atrasada. Onde é que se meteu o controle remoto? Devia haver um controle do controle. Devia haver controle remoto para tudo. Hoje tem sol, pelo menos. Sem sol é ruim porque a roupa não seca, e a gente também não. Fica úmida por dentro, um frio. Vivo falando em frio por dentro, ninguém entende. Nem eu, mas mesmo assim falo. Mas o controle remoto serviria para o sol também. Para as pessoas também. Será que ele chega cedo hoje? Tem sempre tanta coisa na cabeça. Mas quando chega cedo é bom, mesmo em silêncio. Preciso mandar lavar este tapete, que poeirada. Tenho também muita coisa na cabeça, e sempre esta vontade de dizer, dizer. Ele ouve, às vezes. Nem sempre olha, mas acho que ouve. Mesmo quando não ouve, é bom ter o que dizer, e guardo feito um pão quente no bolso. Fica ali, quieto, queimando. Pra ele é bobagem, eu entendo, muita coisa na cabeça. E esse espelho, meu Deus. Odeio espelho. Um espelho nunca está limpo, é terrível. Vou botar uma música. O tempo passa tão rápido com música, acho que a música é movida a tempo. Tenho vergonha do que sinto com música, feito um gozo. Os sons vão entrando e me deixando leve, leve. Deve ser assim que se sente um bêbado. Nunca bebi. Dá vontade de beber com ele até ficar bêbada. Ele sóbrio. Nós dois trancados. Idéia maluca, nem parece minha. É essa música. Às vezes é um livro, um filme. Mas é quase sempre a música, isso de ficar como bêbada. Delírio de febre é assim, também. É como sair do chão, sair de si. Então é isso, parece doença. Tem coisas que não conto a ele, são tão tolas. Tem que consertar essa televisão, acaba pifando de vez. Amanhã termina a novela. Final feliz, já deu no jornal. Acho melhor botar lá fora essas plantas. Final feliz. Acho que nenhum final é feliz. Final feliz é um começo disfarçado. Quando tiver mesmo final, vai ser triste. É por isso que sei que é assim mesmo, quando não estou feliz. Vou fazer uma lasanha, ele sempre elogia. Acho que feliz é coisa pra se estar, não pra se ser. Instante feliz, aí sim. Depois a gente quer mais e não tem. Ninguém tem tudo, ninguém é tudo. Ninguém é todo, mas todo mundo quer ser. O telefone, é ele. Temos esta sintonia, andei observando. Era engano. Acontece. Daqui a pouco ele liga. Ta esfriando, melhor fechar as janelas.

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