sábado, outubro 27, 2001

Era menino ainda. Não sei o quanto. Vagava pela praça, pés descalços, à procura de tudo e de todos, sabedoria irresistível, própria de menino. Olhos meninos que se apertavam ao sol, insistindo em ver o castelo e o dragão de nuvem que depressa viravam navio e cavalo. Na pressa própria dos meninos, esquecia de parar de olhar o céu, e andava assim de olhos no céu e pés no chão, até que esbarrou no velho.
Mal se deu conta do menino, o velho. Tinha olhos velhos que se perdiam no chão, se recusavam a ver mais do que o chão e os pombos nele. Dava milho aos pombos, que comiam numa algazarra suave, nuvem fluida e estabanada. Para eles o velho não existia, para o velho o menino não existia, Tudo só existia para o menino.
Ficaram ali sentados lado a lado, olhando os pombos, e eu tive vontade de ter o poder de olhar através dos olhos de outra pessoa, como se me fossem lentes, e descobrir o que no olhar diferenciava o velho do menino. Olhar de ver o mundo, a vida, o tempo, a infância, a idade.. Os olhos de menino eu conhecia, carregava-os ainda em algum lugar. Lembrava deles às vezes, até os usava. Sorri ao pensar que podia tê-los para sempre. Será? Será que a idade dos olhos é a gente que escolhe?
Passado o tempo que devia passar, o menino levantou, olhou o velho bem nos olhos e ficou esperando até que ele fizesse o mesmo. Fiz. O menino sorriu e correu, levantando os pombos em revoada, sob o olhar atônito do velho. Levantei então, com dificuldade, e sem pressa, deixando sobre o banco o saco de milho e toda a velhice que havia acumulado em pouco mais de três décadas de vida. Acho que vai demorar para que eu envelheça de novo.

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