quarta-feira, outubro 31, 2001

"Como você cresceu, Flora!", disse diante do espelho. As crianças sempre crescem, e nunca se imagina que será tão rápido. Era certo já ao nascer que cresceria logo. É assim com algumas crianças, elas simplesmente escolhem crescer.
Algumas crescem feito balões - pensou - desses que a gente sopra e é o oco de dentro que os faz grandes. Tendo escolhido crescer no desjuízo de menina, fez-se o oco. Por isso aquele gosto de cica de fruta que não amadureceu direito. Mas por ser dentro, o oco era escuro e difícil. Coisa para não se olhar.
Nesse dia que virou noite, Flora dormiu, e acordou da realidade para um sonho que sempre estivera ali. Viu-se pequena e inadequada, como nos pesadelos antigos em que ia diminuindo e adensando enormemente até sumir, comprimida por si mesma diante de qualquer coisa imensa, coisa essa que também era minúscula.
Mas não era o pesadelo agora, não era assim que via. Via-se menina, não crescida, e só. Noite. Penumbra, e o quarto da infância. A janela sempre aberta, andar de cima, e as folhas de amendoaira dançando nela o tempo todo. As grades e o frio. Um se descobrir lancinante e incompleto, para o qual não ousava pedir ou esperar ajuda.
Flora olhou a janela para onde suas pernas apontavam. As folhas em dança-conversa que na penumbra eram como fantasmas amigos... amigos... haveria quem viesse no meio daquele escuro suave e lhe sussurrasse ao ouvido o que não poderia passar a vida inteira sem saber. Dizem que o boto lá no rio vira um moço de terno branco e chapéu e sorriso e madrugada e é por isso que as meninas esquecem que há coisas que não lhes é permitido aprender. Foi assim que a sombra clara veio das folhas e tudo aconteceu. Ela não poderia mais esquecer, nem lembrar. Mas agora talvez pudesse crescer.
Meninas nunca sabem por que choram. É por isso que choram muito, por não precisar de porquê. Nesse dia Flora chorou de vida. Quis gritar, mas não era menina o suficiente, então só chorou. Quem quer que a tenha escutado, não poderia entender. Não era necessário, nem permitido.
Nascido de novo o sol, ela voltou ao sono de realidade que a tornava grande e adequada. Voltou a ser a Flora de sempre, aquela mesma, plena e hábil em fingir que cresceu.

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