terça-feira, maio 14, 2002

"A chuva começaria forte, como se houvesse esperado calmamente o momento certo. Jeito de tocaia, mesmo, espreitando um nosso deslize, talvez. Cairia com estrondo, feito uma blitz, buscando infrações dignas de multa. Deve ser fria a água de uma chuva assim. Não faz mal." A vontade de chorar apertava, produzindo no estômago o efeito de uma torção, quase náusea. É, o corpo tem dessas coisas, expulsar o que faz mal. Mas não adiantava agora porque o que fazia mal era um não-ter. Desejava aprisionar em vez de expulsar. Impossível. Pelo não-ter só se pode mesmo chorar.
"Riríamos juntos da nossa doce rebeldia. Crianças capazes de nadar na própria liberdade. Você abriria os braços, jogando a cabeça para trás, eu de fascínio me sentindo chuva." Não choraria agora, definitivamente. Chorar agora equivalia a entender a dor como derrota. Respirou fundo um ar amargo, limpou duas lágrimas fugitivas e pôs-se de novo a pensar no ciclo das águas, enquanto olhava através da janela a chuva que se recusava a cair.

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