quinta-feira, maio 16, 2002

Lembro da sala clara. Muito, mesmo. Branca do teto ao chão, bem montada, e grande, imensa. Devia haver centenas de alunos ali, mas todos em ordem, interessados, participantes. Adultos como os do meu dia-a-dia. Aula noturna. Eu estava ligeiramente desconfortável porque não ocupava o nicho típico do professor, aquele de mesagrande/cadeira/quadronegro/latadelixo. Não, eram mesinhas de alunos por todos os lados, e me observavam atentos. Eu falava. Sala muito clara, muito tranquila. Tudo sob controle. Um deles se levanta e começa a falar. Ele tem roupas extravagantes, em cores que se destacam no meio dos outros, parece divertido. Interrompe a aula, ri, fala alto, se diverte. Olha nos meus olhos o tempo todo. Sorriso duro, meio revoltado. Mas quase simpático. Meu Deus, do que ele falava? Não lembro das palavras. Agora é como se eu não as escutasse. Tento contornar a situação, sou dura com ele. Pareço forte, forte, que mentira. Ele grita agora, ainda sorrindo. Está me acusando de algo, não sei do quê. Não lembro, não sei se era mentira ou verdade, mas sei que me desesperava. Ele grita e ri. Ele é adulto, mas pequeno. Contrasta com meu porte grande. Mas está no comando agora. Os alunos observam ainda em silêncio, expressões de espanto. Eu o ergo no ar e o levo até fora da sala. É tão difícil. Conto tudo à diretora entre soluços, ele sorri pra mim. Grito muitas vezes "Não volte!". Volto à sala, murmúrios, comentários de preocupação, sento numa das cadeiras dos alunos. Baixo a cabeça e choro. Acho que pela primeira vez na vida chorei dormindo, lágrimas escorrendo até o travesseiro. Acordei com meus próprios soluços pouco mais de uma hora depois de ter adormecido.

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